A REPRESA DE GUARAPIRANGA, OU A HISTÓRIA DE SEMPRE

Guarapiranga

É praticamente impossível falar na poluição das fontes de água da cidade de São Paulo sem que se lembre da represa de Guarapiranga, já citada várias vezes por aqui nas últimas postagens. Vamos lá:

A represa de Santo Amaro, atualmente conhecida como represa de Guarapiranga (que é o nome de um dos seus principais rios formadores), foi construída no início do século XX para regularizar o fluxo das águas do rio Tietê, que corriam na direção da Usina Hidrelétrica de Santana de Parnaíba, a primeira geradora de eletricidade da região do Planalto de Piratininga.

O Tietê é um típico rio de drenagem de planície, que durante os meses de chuva recebe grandes volumes de águas de chuva; nos meses secos de inverno, o nível do rio cai dramaticamente – essa oscilação brutal no fluxo de água criava uma série de problemas para a geração de eletricidade. Com a construção da Guarapiranga, as águas das chuvas de Verão ficavam armazenadas na represa e no período da seca eram liberadas na direção do Tietê, mantendo-se assim o fluxo da correnteza do rio constante e a geração elétrica estável.

Muito antes da construção da represa Billings, a Guarapiranga se tornou uma área de lazer para a população paulistana. Em 1913, apenas 5 anos após a conclusão da represa, foi inaugurada uma linha de bondes elétricos entre a Vila Mariana e a cidade de Santo Amaro (que em 1933 foi incorporada à cidade de São Paulo) – nos finais de semana, estes bondes ficavam lotados de “turistas”, que se dirigiam para as “praias” da Guarapiranga.

Essa vocação de área de lazer era tão forte que anos mais tarde, nas décadas de 1940 e 1950, areias das praias da região da Baixada Santista foram trazidas serra acima de caminhão e espalhadas nas praias da Guarapiranga. Como bom santo-amarense, eu passei inúmeros finais de semana da minha infância brincando nas águas da Guarapiranga. Muita gente da região ainda faz isso nos dias de hoje, mas a qualidade das águas não é mais a mesma.

Com o crescimento das cidades de São Paulo e de Santo Amaro, que após a inauguração da linha do bonde se tornou uma opção barata de moradia para quem trabalhava em São Paulo, a represa de Guarapiranga foi promovida em 1928 a manancial de abastecimento de água potável, tornando-se assim uma reserva estratégica para as futuras gerações. Infelizmente, como é de praxe em nosso país, a “promoção” da represa a manancial não foi seguida por outras medidas para a conservação das matas ciliares e de galerias que circundavam tanto o reservatório quanto os rios formadores da represa.

Como todos devem saber, as matas são essenciais para a proteção das nascentes de água e também para a manutenção da qualidade das águas dos rios: a vegetação retém os sedimentos e fragmentos de todos os tipos que são carreados na direção das calhas dos rios pelas correntezas criadas pelas fortes chuvas de Verão. Essa tragédia também se abateu sobre a represa Billings, construída na década de 1930 e que têm alguns de seus braços muito próximos da represa de Guarapiranga (em alguns pontos, a distância entre as duas represas é menor que 10 quilômetros).

O início da indústria automobilista no Brasil na década de 1950, que instalou as suas principais fábricas na região do ABCD Paulista, foi seguida pela instalação de inúmeras fábricas de autopeças no município de São Paulo – na região de Santo Amaro, agora um bairro da cidade de São Paulo, mais especificamente no distrito industrial de Jurubatuba, dezenas de indústrias fornecedoras de autopeças e de motores se instalaram na mesma época, criando dezenas de milhares de empregos.

Assim como ocorreu em áreas de mananciais da represa Billings, loteamentos baratos (e ilegais) nas áreas lindeiras da Guarapiranga passaram a atrair as famílias dos operários destas indústrias e bairros inteiros surgiram de uma hora para a outra, com suas ruas de terra e sem qualquer infraestrutura de saneamento básico. Poços semi artesianos eram escavados nos quintais para garantir o abastecimento de água nas residências e as manilhas de barro lançavam os efluentes em toda uma complexa rede de córregos e riachos, que tinham as águas da Guarapiranga como destino.

Em poucas décadas, a exuberante vegetação de Mata Atlântica cedeu lugar ao interminável tom monocromático do marrom tijolo das paredes de milhares de residências construídas em sistemas de mutirões aos fins de semana. Estima-se que 1,5 milhão de pessoas vivam atualmente nas áreas de mananciais da represa de Guarapiranga, uma população equivalente à da cidade de Belém do Pará. A foto que ilustra este post mostra um dos braços da represa de Guarapiranga – a forte imagem dispensa maiores explicações.

Com tanta gente gerando e despejando gigantescas quantidades de esgotos nas águas da represa de Guarapiranga a cada dia, antiga praia dos paulistanos virou apenas mais uma fonte de água poluída por esgotos e que requer enormes quantidades de produtos químicos para o seu tratamento. Mesmo poluída, a Guarapiranga responde por até 40% do abastecimento da cidade de São Paulo.

Triste essa nossa vocação de destruir todas as nossas preciosas e importantes fontes de abastecimento de água…

Leia também:

Guarapiranga: a praia de Santo Amaro

Os efeitos da poluição na Represa Billings

       Especial: Represa Guarapiranga

3 Comments

Deixe um comentário