A CHEGADA DA ELETRICIDADE AO PLANALTO DE PIRATININGA E OS NOVOS USOS DO RIO TIETÊ

Bondes

A inauguração da estrada de ferro São Paulo Railway em 1876 mudaria para sempre a face da cidade de São Paulo de Piratininga, iniciando um verdadeiro surto de empreendimentos com capitais locais, resultando em grandes obras de interesse urbano e de infraestrutura como ferrovias, empresas de navegação, construtoras, bancos e toda uma gama de indústrias. A razão deste repentino crescimento econômico paulista teve origem no progresso geral vivido na então Província de São Paulo oriundo da cultura cafeeira, que trouxe riqueza para a população.

A chegada de grandes contingentes de imigrantes europeus, especialmente italianos, recrutados para a substituição dos escravos recém libertos, trouxe no seu bojo um grande número de técnicos especializados, mão de obra que sempre faltou na cidade e que rapidamente foi absorvida pela nascente indústria local. A indústria paulista, aliás, crescia a olhos vistos desde a últimas décadas do século XIX – um censo industrial realizado em 1907 indicou que 16% de todas as indústrias brasileiras estavam localizadas na pequena cidade de São Paulo. A demanda energética deste crescente parque industrial passou a ser imensa e todos os olhares se voltaram para a eletricidade, a nova fonte de energia que estava revolucionando o mundo na época.

O Tietê, o maior rio da região do Planalto de Piratininga, foi a escolha óbvia para a instalação da primeira usina geradora de eletricidade de São Paulo, a Usina Hidrelétrica de Santana de Parnaíba, inaugurada em 1901 e uma das principais impulsionadoras do processo de industrialização. Construída a partir dos últimos anos do século XIX, a Usina passou a enfrentar, desde os primeiros tempos, sérios problemas para a geração regular de eletricidade devido as vazões irregulares do Rio Tietê, que alternava cheias nos períodos de chuva e baixíssimas vazões nos períodos de seca. Pressionada pela demanda crescente e pelas contínuas reclamações dos clientes, a São Paulo Tramway, Light and Power Company, empresa canadense concessionária dos serviços de geração e de distribuição de energia elétrica e de transporte por bondes, passou a buscar alternativas para solucionar os problemas energéticos de uma cidade sedenta por energia.

Uma das primeiras grandes obras de engenharia hidráulica de São Paulo, a Represa de Santo Amaro, nome depois mudado para Represa de Guarapiranga, foi inaugurada em 1908 e concebida originalmente para regularizar a vazão dos rios Pinheiros e Tietê, garantindo um fluxo constante de água para a problemática Usina Hidrelétrica de Santana de Paranaíba. Com o futuro crescimento da cidade de São Paulo e a necessidade de ampliar o estoque de água para o abastecimento urbano, a Represa de Guarapiranga seria promovida a manancial para o abastecimento de água potável em 1928. Atualmente, a Represa chega a responder por 40% da água utilizada no abastecimento da cidade de São Paulo.

Com a solução temporária dos problemas de geração elétrica no rio Tietê, os engenheiros da Light passaram a pesquisar novas áreas com grandes potenciais para a geração de hidroeletricidade nas proximidades da região do Planalto de Piratininga. Os mais de 800 metros de altitude que separam a região da Baixada Santista e o Planalto de Piratininga passaram a ser considerados como uma excelente opção para a geração de energia elétrica – quanto maior a altura maior a quantidade de energia potencial acumulada. A solução técnica revolucionária que foi proposta pelos engenheiros da Light previa a construção de uma usina hidrelétrica no município de Cubatão, na região da Baixada Santista, que seria alimentada pela água despejada Serra do Mar abaixo através de grandes tubulações metálicas – esta água viria de uma grande represa no alto da Serra, que seria batizada com o nome de Represa Billings, uma homenagem ao engenheiro responsável pela sua construção. A água viria de um conjunto de pequenos rios represados e da reversão das águas de um rio muito conhecido – o Tietê.

Em 1923, a Light iniciou a compra de terras nas áreas que seriam utilizadas para a formação da represa na região de São Bernardo do Campo. No ano de 1925, a empresa obteve autorização do governo do Estado de São Paulo e do Governo Federal para iniciar as obras de formação da represa. Diferente dos dias atuais, quando um complexo e demorado processo de licenciamento ambiental seria exigido, a autorização para a construção da futura represa Billings só precisou da assinatura de um decreto pelo Presidente Arthur Bernardes. Apesar da construção da represa ter como objetivo a geração de energia elétrica, uma cláusula do decreto condicionava a autorização da construção à conservação da qualidade da água com vistas ao futuro uso como manancial de abastecimento da população local – lamentavelmente, isso não foi totalmente respeitado.

Começou assim uma nova fase na já longa história do rio Tietê – falaremos mais sobre isto no próximo post.

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