PROBLEMAS HABITACIONAIS, OU A OCUPAÇÃO IRREGULAR DOS MORROS

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Os noticiários dos últimos dias estão repletos reportagens que tratam das consequências devastadoras da passagem do furação Matthew pelo já devastado Haiti – as imagens de destruição das cidades e o sofrimento humano da população nos comovem muito. Se você é um bom observador, talvez tenha notado que os morros que sempre aparecem no fundo das imagens estão completamente nus, sem vegetação arbórea; a falta de vegetação nesses morros contribuiu muito para a devastação das cidades – sem a cobertura vegetal, as águas das fortes chuvas desceram os morros em grande velocidade, devastando tudo o que estivesse em seu caminho.

Muito antes do furação Matthew e do forte terremoto que abalou o país em 2010, o Haiti já era um país devastado graças a longa ditadura da família Duvalier, primeiro com François Duvalier, o Papa Doc, que conduziu com mão de ferro o país entre 1957 e 1971; após sua morte, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, assumiu o posto do pai e dirigiu o país até sua auto deposição em 1986. A população cada vez mais miserável do país devastou gradativamente as florestas em busca de lenha para cozinhar – Matthew nos mostrou a falta que a proteção de uma cobertura vegetal em morros nos faz…

Pelas dificuldades construtivas, os terrenos das encostas de morros sempre tiveram pouco valor durante os processos de formação das cidades. Desde muito tempo atrás, morar em morro era coisa de gente pobre – a formação das favelas nos morros do Rio de Janeiro pelos escravos libertos no final do século XIX é um grande exemplo disso. A forte migração de populações rurais para os centros urbanos iniciada nas décadas de 1950 e 1960 aliada à falta de políticas públicas na área de habitação popular, transformou as encostas dos morros numa alternativa para as construções populares e também para as famosas “habitações sub normais”, mais conhecidas como favelas.

A ocupação irregular das encostas dos morros implica em dois problemas fundamentais associados às águas pluviais:

  1. A cobertura vegetal das encostas, que atuava na retenção e redução da velocidade de descida de grandes volumes de chuvas, é removida para dar espaço para a construção das moradias;

  2. A construção das moradias, normalmente com grande adensamento, impermeabiliza o solo, aumentando a quantidade de águas superficiais que descem os morros em dias de chuvas.

Esses dois eventos provocaram aumentos nos volumes naturais de águas pluviais que chegam aos canais de drenagem, contribuindo em muito para a formação de pontos vulneráveis a enchentes. Há também um terceiro problema, muito mais grave, que nem sempre é fácil de se perceber – a combinação da remoção da cobertura, onde as raízes das plantas tem grande importância na estabilização e fixação dos terrenos, aliada ao corte do talude para a construção das moradias, provoca uma total desestabilização das encostas dos morros; em temporadas de chuvas fortes é comum a ocorrência de grandes deslizamentos, com destruição de casas e custo de dezenas de vidas. O deslizamento do Morro do Bumba (vide foto que ilustra esse post) em Niterói no ano de 2010, para citar um único exemplo, resultou em 39 mortes.

As encostas de morros comumente abrigam os remanescentes da cobertura vegetal original das regiões ocupadas pelas cidades e possuem grande importância ambiental tanto para a regulação do clima quanto para a absorção e retenção de grandes volumes de águas pluviais. Além de contribuir imensamente na formação de pontos de enchentes nas partes baixas das cidades, a ocupação irregular das encostas representa um altíssimo risco para as populações. As cidades devem redobrar os esforços para preservar e até mesmo recuperar a cobertura vegetal das encostas, criando programas de moradia popular que possibilitem a transferência dessas populações.

Morros são complicados pela sua própria natureza: ou é fogo morro acima ou é água morro abaixo – não temos controle em nenhuma dessas situações.

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